quinta-feira, 26 de julho de 2012

A solução de “um Estado e meio”

  Luiz Eça  no CORREIO DA CIDADANIA 

Ainda neste mês, uma comissão de estudiosos presidida pelo ex-juiz da Suprema Corte de Israel, Eduard Levy, apresentou um estudo ao Chefe do Governo sobre a questão palestina.

O estudo concluía que toda a Palestina, inclusive a Margem Oeste, integrava o Estado de Israel. Em conseqüência, a Margem Oeste não estaria sob “ocupação de Israel e os assentamentos judaicos seriam todos legais, mesmo aqueles construídos sem permissão das autoridades.

Netanyahu recebeu o documento, agradeceu e informou que o submeteria a um fórum que criara especificamente para este fim.

Diz a imprensa local que ele demonstrou certo desconforto. Certamente, porque a ocasião não era adequada, pois a tese do documento contrariava as posições dos EUA e Hillary Clinton estava para chegar, em visita oficial.

O conteúdo de forma alguma poderia contrariar o pensamento de Bibi, já que ele próprio escolheu os três membros da comissão Levy, todos eles notoriamente favoráveis aos assentamentos.

O juiz Levy, por exemplo, foi o único membro da Suprema Corte que, em 2005, se opôs à decisão de retirar os assentamentos de Gaza.

Há fortes suspeitas de que o estudo da “Comissão Levy” representa a justificação ideológica do plano de Bibi para resolver a questão da Palestina.

Não há dúvida de que ele é a favor da existência de dois Estados, sim, como o mundo inteiro quer. Mas não nos limites de 1967, como a ONU estabeleceu, que ele não aceita, pois implica criar, ao lado do Estado de Israel, um Estado palestino em toda a Margem Oeste (também chamada Cisjordânia), onde estão os assentamentos israelenses. Sua solução é muito diferente.

Já ficou claro que Netanyahu não pretende renunciar aos assentamentos da Margem Oeste; do contrário, já teria concordado em interromper sua expansão, satisfazendo assim as exigências da Autoridade Palestina para iniciar negociações de paz.

O que ele tem feito é exatamente o oposto: estimular a criação de novos assentamentos judaicos e favorecer a expulsão de palestinos da chamada Área “C”.

Convém aqui explicar que o governo de Tel-aviv dividiu a Cisjordânia, ou Margem Oeste, em áreas “A”, “B” e “C”, conforme os acordos de Oslo.

Na Área A, a administração civil e de segurança cabe à Autoridade Palestina. Na Área B, administrada pela Autoridade Palestina, a segurança é de responsabilidade israelense. E na Área C, tanto a administração civil quanto a segurança cabem a Israel. Toda a região está sob o controle do exército de Israel.

A Área C é a maior e mais importante, pois ocupa 62% do território, incluindo 90% do vale do Rio Jordão, onde estão os principais aqüíferos do país e as melhores terras. Os assentamentos judaicos localizam-se na Área C.

Enquanto eles são instalados com apoio oficial, os cidadãos palestinos encontram as maiores dificuldades para receberem permissão de fazer construções na região.

A administração civil habilitou apenas 1% das terras para empreendimentos de palestinos, além de promover demolições sistemáticas de suas casas e restrições ao uso da terra, da água e às construções, o que os empobrece. O que levam muitos deles a migrarem.

Recentemente, a União Européia fez fortes críticas a Israel pela mudança forçada de palestinos da Área C para cidades de outras partes da Margem Oeste.

É evidente o objetivo de reduzir ao máximo a população palestina, em favor do aumento da população israelense. Que vem tendo êxito: o número de palestinos que vivem na Área C encolheu para 150 mil, ou 6% da população total da Margem Oeste.

Novos fatos reforçam a tese de que o governo de Tel-aviv não pretende abandonar a Área C e seus assentamentos.

Na semana passada, o governo começou a fazer exigências proibitivas para impedir a ação da OCHA (Agência da ONU), que vem apoiando os palestinos na exploração de atividades agrícolas.

Ao mesmo tempo, foi anunciado que a polícia de imigração estava autorizada a expulsar ativistas estrangeiros da Margem Oeste, no dia em que o exército prendeu estrangeiros, inclusive um repórter do New York Times, numa passeata de protesto.

Enquanto de um lado reprimia quem se opunha à expulsão dos palestinos da Área C, de outro lado o governo fundou a Universidade de Ariel – a primeira universidade num assentamento – para dar maior legitimidade à permanência dos assentamentos e do domínio israelense da região.

No entanto, esta iniciativa foi condenada pelo Conselho dos Presidentes das Universidades de Israel por serem os assentamentos considerados ilegais pelas leis internacionais.

Mais de mil acadêmicos assinaram uma moção de protesto. Seu autor, o governador do Instituto Weissman de Ciências, declarou: “Somos contra a tentativa do governo de Israel de usar instituições acadêmicas para promover uma agenda política, à qual somos muito contrários, que é o estabelecimento de assentamentos e a ocupação como algo permanente em Israel”.

O programa de expansão de assentamentos, cuja interrupção Bibi recusa-se a aceitar, combinado com ações que implicam na expulsão da Margem Oeste de habitantes palestinos e entidades que os defendem, alimentam sérias dúvidas sobre as verdadeiras intenções do governo.

De acordo com Jeff Halper, chefe do Comitê Israelense Contra Demolição de Casas, o relatório da Comissão Levy, cujos membros ele escolheu a dedo, estaria preparando terreno para a anexação da Área C por Israel.

Manifesto de importantes líderes judaico-americanos contestaram esse relatório, afirmando que caso Israel não fosse considerado “ocupante” da Margem Oeste seria obrigado a anexar seu território.

Com isso, a população árabe da Margem Oeste, somada aos árabes do Estado de Israel, ficaria próxima da população israelense. Em breve, poderia ultrapassá-la, ameaçando o caráter “judeu” do Estado de Israel.

Estaria fora de questão a hipótese de negar cidadania aos árabes, pois isso configuraria “apartheid”, o que seria repudiado até pelos EUA (o voto negro pesa muito nas eleições de lá).

A solução seria anexar apenas os 62% da Margem Oeste, correspondente à Área C, onde está a maior parte da água e das melhores terras da região.

Como ali só há 150 mil árabes, somando-se a eles o número de árabe-israelenses, resultaria bem menor do que o total de judeus em Israel, que continuaria predominante.

O novo Estado da Palestina poderia ficar com os 38% restantes do território da Margem Oeste. Menos da metade.

Além de lá haver carência de água, o novo Estado não teria exército, nem controlaria a fronteira e o espaço aéreo, estando ainda sujeito a intervenções pelo exército israelense (conforme exigências anteriores de Israel, aprovadas por Obama). E a integração de Jerusalém estaria fora de questão.

Seria um meio Estado, necessitando de vultosos recursos internacionais para poder se viabilizar.
Esta solução de “um Estado e meio” não foi ainda proposta explicitamente por ninguém.

Certamente, seria combatida pelos palestinos, tanto do Fatah quanto do Hamas. Dificilmente a comunidade internacional, inclusive os EUA, a aceitaria.

No entanto, continuando os assentamentos a crescerem e a população árabe da Área C a diminuir, enquanto as negociações, sempre apontadas como solução, jamais começam, dentro de alguns anos o quadro pode mudar.

Teremos uma Área C quase toda judaica, com seus habitantes exigindo o direito até democrático de escolher a qual país querem pertencer.

O relatório Levy poderá fornecer um simulacro legal ao seu desejo.


Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo.

Impasse deve continuar na greve das universidades federais



Por Juliana Sada

Foi somente após dois meses, e com a quase totalidade de universidades federais em greve, que o governo federal dispôs-se a abrir negociações com os docentes. A data marcada: uma sexta-feira 13. Confirmando o suposto mau presságio, a reunião foi considerada infrutífera pelos docentes. Mais do que isso, o governo fez uma proposta considerada, pelo movimento, um retrocesso em vários pontos.
A proposta foi, então, apresentada às bases do movimento. De acordo com o Andes-SN (sindicato que representa os docentes), foram realizadas 58 assembleias gerais que rejeitaram a proposta do governo e reafirmaram a continuidade da greve. As negociações tiveram continuidade nesta segunda-feira, 23, com a apresentação da posição dos docentes, com destaques para pontos inaceitáveis, e a formulação de 13 itens que devem ser levados em consideração para a continuidade das negociações.
Já no dia seguinte houve uma nova reunião e o governo fez alguns ajustes em sua proposta, aumentando a perspectiva de reajuste salarial para parte dos professores e “empurrando” alguns pontos polêmicos de sua proposta para a definição em um Grupo de Trabalho que reuniria representantes dos docentes e do governo. Durante esta semana ocorrerão novas assembleias de base e uma nova reunião foi marcada para quarta-feira, dia 1. As primeiras plenárias já demonstram uma provável rejeição da proposta, como aconteceu nas universidades federais da Bahia, Uberlândia, Triângulo Mineiro, Paraíba e Pelotas.

Carreira desestruturada
 
O governo, entretanto, não discute o que de fato está sendo reivindicado pelos grevistas: a reestruturação da carreira dos docentes federais. Desde 2011, o governo instalou junto aos professores um grupo de trabalho para debater a questão. Mas os trabalhos pouco avançaram e então a greve acabou deflagrada. Entre outros pontos, os docentes desejam o fim de obstáculos para ascensão na carreira; a diminuição de sub categorias de professores; a determinação de porcentuais fixos para variação salarial entre um estágio da carreira e outro; o fim da “retribuição por titulação” no contracheque, e que tal gratificação seja incorporada ao vencimento básico; e que seja reservado a cada universidade a definição dos mecanismos de avaliação do trabalho docente.
O vice-presidente do Andes-SN, Luiz Henrique Schuch, avalia que na proposta do governo “a desestruturação [da carreira] continua, sem nenhuma relação lógica na evolução entre os níveis e as classes, os regimes de trabalhos e as titulações, desconstituindo direitos, e para a maioria dos docentes as alterações salariais são apenas nominais, pois não acompanham sequer a inflação”.
De maneira mais ampla, o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Giorgio Romano avaliou, em entrevista coletiva juntamente com docentes da Unifesp, que “se o Brasil realmente quer avançar nesse projeto desenvolvimentista tem que valorizar o ensino superior” e para isso é necessário “estruturar uma carreira para que o professor alcance um nível de excelência”.

Qualidade x quantidade
 
Outro ponto de reivindicação dos docentes é uma expansão com qualidade da educação superior. Durante o governo Lula foram criadas 14 novas universidades federais e as já existentes foram ampliadas com novos campi. Entretanto, as condições de ensino e trabalho não receberam a devida atenção. Há faculdades funcionando em sedes provisórias, outras unidades não possuem bibliotecas ou laboratórios suficientes. Em algumas universidades que funcionam em diferentes campi, não há transporte entre as unidades. Em outros casos, faltam restaurantes e moradias para os estudantes.
Apesar de a precariedade de infraestrutura ser presente em grande parte das unidades da expansão, universidades mais antigas também sofrem com o sucateamento de suas instalações. É o caso do campus de São Paulo, da Unifesp, que abriga a Escola Paulista de Medicina e outros cursos da área de saúde, criada na década de 30, e que tem o restaurante universitário funcionando em espaço provisório, após um incêndio ter atingido um prédio da instituição em janeiro.
A precariedade de muitas instituições levou estudantes de diversas federais a entrarem em greve, apoiando os docentes e reivindicando melhores condições de estudo. Os servidores técnico-administrativos das universidades federais também estão em uma paralisação nacional, a categoria reivindica melhorias na carreira e aumento salarial. Até agora o governo não abriu negociações com estas categorias.

Portas fechadas
 
A postura do governo frente às greves, que já atingem quase 30 categorias do serviço público federal, tem sido de intransigência. O governo ameaçou suspender os salários de 14 setores e o ministro da educação Aloisio Mercadante chegou a afirmar que não negociaria com grevistas. Ao invés de enfraquecer o movimento, a postura do governo tem acirrado os ânimos. É o que relata Giorgio Romano, da UFABC, que aponta que a última plenária de docentes “foi a maior assembleia já realizada e o clima era de indignação”. A opinião é compartilhada por Marian Ávila de Dias e Lima, da Unifesp, que vê uma “crescente adesão ao movimento” e afirma que o sentimento dos professores é de que a “educação é tratada com descaso” pelo governo.
Outro ponto muito questionado pelos docentes é o fato de as reuniões serem conduzidas pelo Ministério de Orçamento, Planejamento e Gestão tendo o Ministério da Educação como coadjuvante. Na visão do professor Denílson Cordeiro, da Unifesp, a “educação do país é tratada como mais um item da questão orçamentária”.
Ainda com a lógica orçamentária prevalecendo, os docentes escutaram do ministro Mercadante que “não há margem” para ir além da proposta já apresentada. Para a professora Márcia Aparecida Jacomini, também da Unifesp, é uma questão de opção política do governo e cita o recente perdão de uma dívida de R$15 bilhões ao setor da educação privada em troca de bolsas de estudo nos próximos anos: “a questão é se o governo está disposto a investir na educação pública”.