quarta-feira, 4 de julho de 2012

A desesperança italiana

A tragédia de um povo entre o desastre neoliberal e o aviltamento da classe política
 Achille Lollo, correspondente em Roma (Itália) no BRASIL DE FATO
O aumento dos suicídios de empresários, artesãos, pensionistas e de jovens é, hoje, o dramático termômetro de uma crise social, política, econômica e, sobretudo, financeira que o povo italiano vive sem saber quando vai acabar. Uma tragédia cujos efeitos se multiplicam com a atuação degradante de uma classe política corrupta e incapaz de propor alternativas aptas a impedir a crescente deterioração das relações sociais e econômicas cada vez mais em crise.
Há exato um mês, Alessio Bisori, atleta da seleção italiana de handebol se suicidava na estação de Bolonha, atirando-se contra o trem que o deveria levar ao centro de treinos da seleção. Aos pais deixou um bilhete dizendo “... Não agüento mais viver nessas condições”. No dia 29 de maio, outra atleta, a jogadora de vôlei Giulia Albini, de 24 anos, matou-se em Istambul, Turquia, atirando-se da ponte sobre o Bosforo. No dia 30 de maio era a vez do empresário Ermanno Gravellino , de 74 anos, que se enforcou em Cagliari após ter recebido da empresa de cobrança Equitália o aviso de sequestro de sua loja. Em 31 de maio, o oficial dos carabineiros Enrico Salinas, de 49 anos, se suicidou com um tiro na cabeça. Berardino Capriotti, de 49 anos, e antes dele Italo Agus, 64, se suicidavam deixando cartas em que denunciavam o pessoal da Equitália. Em sua despedida, Angus afirmou que por uma dívida de impostos de apenas 4.000 euros (cerca de 10 mil reais) queriam sequestrar um apartamento no valor de 100.000 para revendê-lo a preço de bananas em leilões forjados.
Parece uma cena dos filmes de Stanley Kubrick, mas a verdade é que na Itália, os primeiros seis meses do governo do primeiro ministro Mario Monti causaram uma verdadeira tragédia, que tem tudo a ver com a explosão da corrupção, do custo da vida, com o aumento estratosférico das taxas (governamentais, regionais, provinciais e municipais), bem como com os cortes orçamentários nos serviços públicos e o aumento do desemprego. Parece, mesmo, reviver os acontecimentos dramáticos da crise que em 1929 abalou os Estados Unidos, com a diferença de que naquele tempo eram os banqueiros e os industriais a se suicidar após ter declarado bancarrota, enquanto hoje a falência dos institutos financeiros ou dos grandes grupos industriais é logo premiada pela classe política com financiamentos do Tesouro do Estado.
Desastre neoliberal
Para Berlusconi, a ajuda a Monti lhe permitirá
voltar a governar - Foto: Forum PA/CC
Os últimos seis meses de gestão neoliberal do governo Berlusconi e as medidas ultra neoliberais do dito ”governo técnico” de Mario Monti provocaram o aumento do desemprego em 31%, o que na realidade significa que 621 mil trabalhadores, na sua maioria homens, foram demitidos. Por isso, a agência de estatísticas oficial, no seu relatório de maio informava que, em 31 de abril, havia 2.615.000 trabalhadores desempregados, dos quais 35% representados por jovens entre 18 e 30 anos.
Um número que, porém não abrange: os chamados “desocupados”, isto é aqueles que renunciaram a procurar trabalho sobrevivendo com biscates e vivendo nos limites da pobreza absoluta; os desempregados com subsidio; os subempregados que em media trabalham seis meses por ano com contratos mensais ou até semanais; os inativos por estarem acima de 50 anos.
Uma importante fração do exército de mão-de-obra barata e inativa totaliza sete milhões de trabalhadores, na maioria homens, que segundo o próprio Ministro do Desenvolvimento Econômico, o banqueiro Corrado Passera, “o alastramento da crise econômica coloca 28 milhões de italianos a beira da pobreza”. Um contexto que segundo o Codacons (Coordenação das Associações para a Defesa do Ambiente e dos Direitos dos Usuários e dos Consumidores) é bem mais grave porque “Esta dramática situação não será solucionada com a reforma do trabalho ou com uma maior flexibilidade, visto que se não há mais demanda e se os consumos continuam caindo não haverá soluções com tais reformas. Pelo contrário, haverá, sim, um continuo aumento do desemprego porque as empresas não vendem e os produtos ficam acumulados nas prateleiras das lojas. Um contexto difícil pelas empresas no momento em que as famílias, agora, começam a ter dificuldades em comprar até os alimentos”.
Mas os sintomas de uma crise que se apresenta como um fenômeno de caráter subjetivo provocado no interior do sistema capitalista italiano pelo desleixo dos institutos financeiros é hoje mais visível nas grandes fábricas que articularam com o governo Monti o cancelamento do artigo 18 do Estatuto dos Trabalhadores, com o qual, hoje podem desempregar como e quando querem.
Por exemplo, a Fiat, em 2009, manipulou os operários de suas fábricas no Brasil, na Sérvia e na Polônia com um contrato onde a flexibilidade é máxima e a remuneração é mínima. Uma nova metodologia de trabalho fabril que, em 2011, o administrador delegado da Fiat, Sergio Marchionne, com o apoio do governo Berlusconi e a traição das confederações sindicais Confederazione Italiana Sindacato Lavoratori (CISL) e Union Italiana Del Lavoro (UIL), apresentou aos italianos com a sonhadora etiqueta de “Projeto Itália”.
Sergio Bellavita, secretário nacional da Federação Italiana dos Trabalhadores Metalúrgicos (Fiom), ao denunciar o plano de Marchionne disse, “Teoricamente, em troca de um contrato de trabalho que não é aprovado pela Fiom e pela central sindical CGIL por ferir os princípios do Estatuto dos Trabalhadores, o administrador delegado da Fiat, Marchionne, pediu aos operários da Fiat para renunciarem a seus direitos para se tornarem “colaboradores” de uma empresa que no passado foi subsidiada com o dinheiro público do Tesouro do Estado e que hoje pretende explorar ainda mais seus operários, enquanto prepara sua transferência para os Estados Unidos. Quando isso acontecer, a Fiat vai fechar as principais linhas de montagens aqui da Itália, o que já aconteceu com o fechamento da fábrica de caminhões e ônibus em Lamecia Terme.”
Infelizmente as palavras de Sergio Bellavita surgiram como as sentenças de um oráculo, visto que o administrador da Fiat comunicou no dia 25 de maio, ao governo Monti , que a direção da empresa será transferida para os Estados Unidos. Enquanto isso 60% dos operários de Mirafiori e de Pomigliano continuam em “Cassa Integrazione” (salário desemprego), e apenas 25% deles voltaram a trabalhar depois de quatro anos de espera.
Classe política aviltada
Medidas ultraneoliberais de Berlusconi e Monti
provocaram o aumento do desemprego em 31%
- Foto: Kancelaria Premiera/CC
Para os analistas políticos o governo Monti foi a prova com a qual, hoje é possível averiguar, por um lado a consistência da direita reunida no Il Popolo della Libertà (PDL) – o partido fundado por Berlusconi – e por outro certificar a representatividade política de uma centro-esquerda liderada pelo Partido Democrático de Pier Luigi Bersani.
Os mesmos analistas avaliam que nem o PDL e tão pouco o PD estão dispostos a romper o acordo que assinaram com o governo Monti. De fato, Berlusconi acredita que ter ajudado Monti lhe permitirá voltar a governar e impor uma nova reforma constitucional para introduzir no sistema italiano um presidencialismo à francesa. Por sua parte, Bersani e todos os dirigentes do PD estão convencidos de que em 2013, com a Itália saneada financeiramente, o PD vai ganhar as eleições. Por sua parte os movimentos e o povo em geral acusa o PD de Bersani de ter dado um cego apoio ao governo Monti no lugar de mitigar ou diminuir os decretos ultra-liberais, evitando assim o sangramento dos trabalhadores, dos pensionistas e da classe média que foram golpeados com uma avalanche de impostos e de taxas, maiores em quase 230% em relação ao ano passado.
Praticamente 73% do rombo da dívida pública e privada serão pagos pelos italianos que, ao longo dos anos, perderam e continuam perdendo seus direitos, tornando-se setores sociais cada vez mais precários e carentes. Por exemplo, para ajudar os 150.000 desabrigados da região Emilia, vítimas dos tremores de terra, os movimentos sociais sugeriram ao governo Monti introduzir uma taxa sobre as transações financeiras de 0,1%. A resposta do Ministro do Desenvolvimento Econômico, Corrado Passera veio com um decreto extraordinário que aumentava em cinco centavos o preço da gasolina e do diesel, apesar desses combustíveis terem sofrido nos últimos três meses quatro reajustes. Ninguém no Parlamento, do PDL ou do PD, reagiu ou protestou. Agora é preciso sublinhar que por baixo de uma aparente estabilidade política, os principais partidos, o PDL e o PD, vivem uma situação dramática cujo principal constrangimento é o afastamento de seus eleitores.
Por exemplo, durante os governos chefiados por Berlusconi, conviviam educadamente no PDL os setores conservadores, os moderados, os liberais, os fascistas, os fundamentalistas católicos, a burguesia mais reacionária e até os grupos ligados às máfias e ao crime organizado.
Porém, ao deixar o poder os homens do PDL não conseguiram mais maquiar as colossais extorsões que empurraram a Itália na direção da bancarrota. Por isso o milagroso partido de Berlusconi corre o risco de se transformar em um conjunto de “caçadores de assentos parlamentares”, do momento que as sondagens indicam que em 2013 o PDL vai perder 23% do seu eleitorado. Isto significa que 128 deputados e 75 senadores não serão reeleitos.
Também no Partido Democrático – o partido dos ex-comunistas que rejeitaram o marxismo para serem aceitos no mercado – não há a mínima vontade em fazer oposição ao governo Monti. De fato, isso implicaria em enfrentar eleições antecipadas em setembro e apresentar um programa alternativo que no PD não existe. Além disso, o PD de Bersani deveria confrontar-se com a esquerda comunista, com os sindicatos e, sobretudo, com os movimentos sociais que nesses meses foram duramente atacados pelo governo Monti e pelo próprio PD, que é a principal argola de sustentação política no Parlamento.
Uma situação constrangedora que o PD viveu nas eleições administrativas de maio quando em algumas cidades importantes seus candidatos nem sequer passaram o primeiro turno. Em outras, como aconteceu em Palermo e Parma, a poderosa máquina eleitoreira do PD foi derrotada pelo espírito de sacrifício dos militantes dos movimentos.
*Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV Quadrante Informativo.

Soluções gaudérias

Juremir Machado no CP    
<br /><b>Crédito: </b> ARTE JOÃO LUIS XAVIER

Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER

O Rio Grande do Sul orgulha-se de ser um estado de vanguarda. Mas tão de vanguarda que resolveu avançar para trás. Amamos os cavalos. Queremos crescer como suas colas. Para baixo. Ninguém quer ficar de fora desse processo evolucionista original. Situação e oposição tentam dividir os louros dessas façanhas. Depois do êxito dos pedágios, que conseguiram melhorar um pouquinho as estradas - graças a tarifas exorbitantes e serviços subnutridos, pelos quais as concessionárias ainda se acham credoras de saldos mirabolantes -, parte da oposição quer privatizar (ou conceder a exploração) a água. As empresas privadas não querem entrar em parcerias em que o Estado seja majoritário, embora só entrem nas parcerias se tiver dinheiro público majoritário e barato.

É tudo muito lógico: como os governos não tinham dinheiro para melhorar as estradas, resolveram entregá-las à iniciativa privada, que, generosamente, só as aceitou depois que os governos as colocaram em dia com os recursos que não tinham, sobrando para as concessionárias fazer a manutenção e administrar, o que exige alta complexidade, a cobrança das tarifas. Sabe-se que para colocar moças arrecadando a grana é preciso um savoir-faire espetacular e fora do alcance do incompetente poder público. O mesmo sistema está sendo defendido para a água. Se der errado, ficaremos reféns por uns 25 anos. Que fazer? Centenas de cidades não possuem água tratada e sistema de esgoto. Privatizar, ou fazer concessões, parece ser a solução. Tão boa quanto aquela dos pedágios.

Na vanguarda, já no campo da situação, não pagamos o piso do magistério. Não somos maria vai com as outras. Não passamos todo o tempo fazendo o que o governo federal manda. Tanto é assim que não cumpriremos a Lei de Transparência, que obriga a divulgar os salários dos servidores públicos. Deu no Correio do Povo. Eu li com meus belos olhos: "Por enquanto, somente está definido que o Executivo gaúcho não seguirá o modelo adotado pela União. ''Será de forma individualizada, mas não necessariamente nominal'', afirmou a subchefe de Ética, Controle Público e Transparência da Casa Civil, Juliana Foernges. O governo federal divulgou no Portal Transparência, na semana passada, o nome e salário dos 620.533 servidores federais". Nós, os gaúchos, temos critérios próprios de transparência. Mostramos ocultando. Praticamos a clareza embaixo do poncho. Encontramos saídas gaudérias para tudo. Todos os poderes participam.

Li também esta incrível declaração de Alexandre Postal, presidente da Assembleia Legislativa: "Sou favorável à divulgação, mas é preciso analisar os critérios. O X da questão é a divulgação dos nomes". Elementar, senhor deputado, é o que estabelece a lei. O desembargador Túlio Martins não ficou atrás em capacidade de gerar surpresa ao dizer que o Tribunal de Justiça do Estado seguirá o determinado pelo Supremo Tribunal Federal, mas ainda está adaptando a folha de pagamento para divulgá-la. Já o Tribunal de Contas do Estado, cauteloso ou calculista, "aguarda posição do Piratini e discute o assunto internamente". Divulgaremos os nomes, desde que não em lista nominal.