sábado, 4 de junho de 2011

Educadores gaúchos vão ao campo aprender com assentados



Por Nanda Barreto para o Blog da Reforma Agrária

Mais de 60 professores da rede pública de ensino do Rio Grande do Sul foram ao Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, nesta quinta-feira (2), para conhecer a produção agroecológica local e debater estratégias de educação ambiental dentro e fora da sala de aula. A atividade começou cedinho, com um delicioso café colonial e marcou as comemorações do Dia do Alimento Orgânico.

“Nós queremos que os professores vivenciem a realidade do campo, que provem alimentos livres de agrotóxicos e reflitam sobre a importância de uma alimentação saudável”, destaca a professora Olga Justo, que coordena o Fórum Permanente de Educação Ambiental – grupo criado em abril deste ano com o objetivo de estimular o ensino de práticas sustentáveis nas escolas e comunidades da Grande Porto Alegre.

Ainda pela manhã, os professores foram conhecer a horta do assentamento e participaram de palestras sobre temas relacionados à organização dos trabalhadores rurais, alimentação escolar de qualidade e legislação sobre transgênicos e uso de agrotóxicos.

O representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Leonardo Magarejo, alertou sobre a necessidade de buscar informações sobre os alimentos disponíveis nas prateleiras dos supermercados. “Temos que manter o princípio da precaução. Ainda não é possível dimensionar exatamente os prejuízos dos alimentos transgênicos, mas não podemos de jeito nenhum assumir a falta de informação como sinônimo de que não há perigo”.

O debate também levantou a importância do papel dos educadores na formação de uma sociedade que assuma sua responsabilidade com o meio ambiente, numa perspectiva que vá desde o incentivo à alimentação saudável por parte das crianças e adolescentes até questões mais amplas como a coleta seletiva do lixo, o estímulo à economia solidária e o consumo responsável.

O presidente da Associação dos Produtores de Arroz Ecológico, Leonildo Zang, foi direto ao ponto. “A sustentabilidade é uma responsabilidade de todos e cada um de nós é importante nessa caminhada. Não tem governante que seja mais importante do que nós, professores e trabalhadores do campo. Nós temos em comum o fato de que muitas vezes não somos valorizados, mas não podemos perder nosso foco. A nossa visão é de futuro. Sou eu quem produz o alimento saudável que chega na mesa das famílias e são vocês que ajudam a formar nossas crianças”.
Trajetória de luta

Fundado em 1998, o Assentamento Filhos de Sepé tem uma área de 9.500 hectares, onde vivem e trabalham 365 famílias de pequenos agricultores. De lá para cá, os trabalhadores tem se empenhado em desenvolver uma produção 100% orgânica, enfrentando o padrão de agricultura baseado na quantidade e no lucro.

A sustentabilidade financeira do assentamento é garantida principalmente pela Companhia Nacional de Abastecimento mas, de acordo com o agricultor Huli Zang, que é diretor da Cooperativa local, a Lei Federal 11.947, que prioriza a aquisição de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar, abriu um novo mercado para o assentamento. “Antes, quem comprava o nosso arroz integral era só quem tinha um poder aquisitivo um pouco maior, agora o alimento saudável está chegando em quem mais precisa, que é a comunidade escolar da rede pública”.

A principal fonte de renda provém do arroz, mas a economia local é baseada na diversidade, com a comercialização de itens como ovos, queijo, frutas, carne e leite. Outra conquista trazida pela demanda da merenda escolar foi a criação de uma padaria liderada por mais de 10 mulheres do assentamento.
A trabalhadora Solange Pietroski é uma delas: “Eu tenho 52 anos e lido na roça desde que pude carregar o peso da enxada. Estes anos têm sido de muitas batalhas. A padaria abriu um novo horizonte para mim. Estamos aprendendo muito umas com as outras e posso dizer: a nossa luta valeu a pena e que eu amo o que faço”, comenta.

Maconha: regulamentar o uso e educar


Tiago Magalhães Ribeiro *no Sul21

Marcha da Maconha, filme do Fernando Henrique, reportagens, colunas de opinião, parece que o momento de discussão acerca de transformações nos modos de compreender e agir em face da produção, circulação e uso de maconha, finalmente, chegou.
Faz já algum tempo que a chamada “Guerra às Drogas”, doutrina instituída pela direita estadunidense pelo menos desde Nixon, tem dado provas de um retumbante fracasso. São bilhões de dólares empregados anualmente na repressão a produtores, vendedores e consumidores de substâncias psicoativas tornadas ilícitas nas primeiras décadas do século XX, sem que, com esse pesado investimento, tenha sido possível comemorar qualquer significativa redução da produção, da circulação e do uso dessas drogas.
De quebra, as disputas em torno do lucrativo comércio ilegal que se constituiu a partir da proibição têm colocado em risco a segurança pública e fomentado uma cadeia de corrupção que vai de associações de bairro e policiais até altos escalões do poder judiciário, isso sem falar no descontrolado inchaço do sistema prisional, prestes a colapsar.
O combustível dessa cadeia nefasta, contudo, é a condenação moral histórica que a tradição judaico-cristã faz dos usos lúdicos do corpo. Tal condenação é o substrato e a força motriz em torno da qual os mais variados interesses políticos e econômicos se organizam, capitalizando em torno da proibição e mantendo, assim, a lucratividade do negócio ilícito.
Mas, ao que parece, uma nova racionalidade começa a tomar corpo. Pesquisadores sérios têm manifestado sua oposição ao proibicionismo vigente; figuras públicas de peso têm juntado sua voz às dos grupos de manifestantes que, a cada ano, colocam mais pessoas nas ruas para reivindicar uma nova política de drogas e até mesmo a grande mídia tem começado a amplificar essas vozes, conseguindo abordar a questão de formas mais equilibradas e variando um pouco as fontes de informação. E é justamente no momento em que se torna possível essa discussão mais matizada que faz sentido olhar para alternativas políticas para a questão da maconha.
O uso de uma droga bem mais nociva do que a maconha, o cigarro, que beirou o estado de calamidade de saúde pública, está, agora, nesses primeiros anos do século XXI, sendo reduzido para níveis mais seguros e razoáveis e, para que isso fosse conquistado, não foi necessário nenhum pesado e caro aparato de segurança, mas, simplesmente, informação preventiva e educação.
Como já nos ensinava Michel Foucault, desde a década de 1970, o poder mais efetivo é aquele que, ao invés de reprimir e subjugar, seduz, persuade e convence. Ao invés da repressão do desejo, a formação da vontade. O custo da repressão é alto e o resultado não compensa (a não ser para aqueles que faturam com ela, como a indústria de armas, por exemplo). Assim, o mais lógico e correto a se fazer, tanto de um ponto de vista econômico quanto de um ponto de vista ético, é o investimento em prevenção por meio da educação sobre (e não anti ou contra) as drogas, a começar pela maconha, cujos usuários representam 80% do total de consumidores de drogas, hoje, no mundo.
Regulamentar quem pode produzir (liberar o plantio de maconha para consumo próprio), quem pode vender (estabelecimentos credenciados, taxados e com qualidade do produto fiscalizada) e quem pode usar (maiores de idade e somente em contextos específicos, ou seja, nada de maconha ao volante, maconha na escola, maconha no trabalho ou em ambientes fechados – isso sem falar no óbvio: nada de propaganda de maconha ou de qualquer outra droga, como bebidas alcoólicas e cigarro, nos meios de comunicação) a maconha e, principalmente, preparar educadores para a abordagem do tema nas salas de aula: essa deve ser a agenda das políticas sobre drogas no século XXI.
E, quando se fala em educar sobre drogas, se fala em buscar a construção da autonomia, ou seja, nada daquela bobagem de Ronald Reagan e seu “Just say no”, ou da ladainha religiosa que equipara as drogas ao demônio. Drogas são substâncias importantes para o ser humano há milhares de anos e precisamos conhecê-las cada vez mais e melhor a fim de sabermos como aproveitar seus potenciais, evitando ao máximo seus riscos.
No que concerne à maconha, os potenciais terapêuticos são inegáveis e têm sido cada vez mais reconhecidos e pesquisados. Assim, trata-se de informar os jovens sobre as potencialidades e os riscos da maconha, educando-os para a redução dos danos (por exemplo, maconha vaporizada é menos nociva do que maconha fumada) e, em caso de decisão pelo uso, que este se dê de forma responsável, sem exageros e em um ambiente seguro e com um produto sem adulteração (condições impossíveis de serem atingidas em um contexto de proibição).
Não é assim que, espera-se, pais e professores deveriam orientar seus filhos e alunos em relação ao álcool, ao sexo, aos lanches fast-food, à televisão e à internet, dentre outras maravilhas perigosas do mundo? Pois é assim, também, que deve ser em relação à maconha.

* Mestre em Educação pela Unisinos e Técnico em Assuntos Educacionais da UFRGS