quarta-feira, 27 de junho de 2007

Programa é um dos melhores investimentos em geração de emprego

Estudo do Ministério do Desenvolvimento Agrário aponta que reforma agrária gera, em média, um emprego direto a cada R$ 10 mil de investimento público. Posto na indústria custa cerca de R$ 23 mil..

SÃO PAULO – Um estudo elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) sobre os aspectos orçamentários e financeiros da reforma agrária no Brasil, entre os anos de 2000 e 2005, demonstra que o assentamento de agricultores pelo governo é um dos investimentos públicos mais baratos e eficientes na geração de postos de trabalho.

O estudo, que analisou tanto o montante de investimentos na reforma agrária no período, quanto o tipo de gastos – que incluem do processo preparatório aos financiamentos para investimento e custeio nos assentamentos, passando por aquisição de terras, titulação, assistência técnica, educação etc -, também esmiuçou as diferenças nas cinco grandes regiões do país segundo a modalidade de obtenção de terra, item mais caro do processo de assentamento.

Como resultante, constatou-se que há grandes diferenças entre os valores da reforma agrária dependendo da região. O gasto mínimo com o assentamento de uma família, de acordo com o documento, foi de R$ 16,4 mil, correspondente à obtenção não-onerosa (arrecadação, discriminação, reconhecimento e outras formas de aquisição) da terra para um pequeno número de famílias na região Sul. O valor máximo foi de R$ 81,1 mil, correspondente a aquisições (compra da terra) na região Sudeste. Nos casos em que houve desapropriação da terra, os valores oscilam entre R$ 25,8 mil (Nordeste) e R$ 58,2 mil (Sul).

No cômputo geral, levados em conta todos os gasto do processo da reforma agrária, o investimento médio no assentamento de uma família no Brasil é de R$ 30.977,00. Um valor baixo se forem consideradas os benefícios sociais que traz.

De acordo com o estudo do MDA, assentar uma familia equivale à geração, em média, de três empregos diretos e 1,4 indiretos. “É possível estimar a geração de 4,7 ocupações por família assentada, considerando-se os levantamentos feitos a campo e o cálculo dos efeitos direto, indireto e induzido para geração de empregos na Agricultura Familiar. Segundo a Fipe, os efeitos indireto e induzido respondem por mais de um terço (36%) das ocupações totais neste subsetor”, afirma o documento.

Segundo o economista e pesquisador da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Sergio Leite, especialista na questão agrária, o cruzamento dos valores gastos no assentamento de uma família com o seu potencial de geração de empregos faz da reforma agrária um dos programas mais eficientes e baratos de investimento público na criação de postos de trabalho.

“Comparativamente, se pegarmos os dados do Ministério de Trabalho sobre políticas como o Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger), por exemplo, teremos um custo de R$ 13.600 para a geração de um emprego na indústria, R$ 25.600 no setor de serviços e R$ 20.300 no comércio. O mesmo cálculo nesses setores, tendo como base o resultado do Programa de Promoção do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador (Pró-Trabalho), apontou uma despesa de R$ 23.000,00, R$ 35.500,00 e R$ 88.300,00, respectivamente, a geração de um posto de trabalho. Na reforma agrária, o valor cai para R$ 10 mil, considerados apenas os empregos diretos”, explica Leite.

Outro detalhe importante que reforça o peso econômico do programa de reforma agrária é o comparativo com a capacidade do agronegócio de gerar empregos. “O subsetor familiar gera 213 postos de trabalho e o patronal, 84. Ou seja, o primeiro é capaz de gerar 2,5 vezes mais ocupações que o segundo (...). O principal elemento que os diferencia é o emprego direto de cada um deles (136 postos frente a 22). Segundo o mais recente Censo Agropecuário, a agropecuária familiar é responsável por cerca de 78% do pessoal ocupado na agricultura brasileira” diz o documento.

Para além da economia
Apesar de reforçar o benefício econômico da reforma agrária, o estudo do MDA também frisa a importância do “papel do Estado para desenvolver e implementar políticas de desenvolvimento que reconheçam direitos e promovam o acesso democrático aos recursos naturais e aos recursos financeiros associados à reforma agrária”, bem como os impactos do gasto público sobre o crescimento e a redução da pobreza.

Uma avaliação simplista mas muito comum entre os críticos da reforma agrária tem sido a de que a aplicação de políticas de compensação social, como a bolsa família, aos trabalhadores sem terra, seria menos onerosa para o Estado e mais cômoda para o modelo agroindustrial em expansão no país.

Sobre a questão, a cientista social e pesquisadora da UFRRJ, Leonilde de Medeiros, avalia que existe um choque entre crescimento econômico e desenvolvimento, uma vez que o modelo agroindustrial gera um processo contínuo de exclusão social. Na mesma direção, a defesa das políticas compensatórias significaria manter um grupo cada vez maior sob absoluta dependência do Estado, acredita.

Sergio Leite concorda. “Política assistencial é para conter uma situação conflituosa. 200 mil famílias acampadas é uma situação de conflito, que precisa de políticas assistenciais. Mas isso não resolve questões estruturantes”. O engenheiro agrônomo e assessor especial do MDA, Vicente Marques, coordenador do estudo, arremata: “Justamente para que as famílias não precisem ficar 27 anos no Bolsa Família é que é fundamental a reforma agrária”.

Por outro lado, a tese de que, com o crescimento econômico, dependência e exclusão seriam sanadas pela absorção da massa de sem-terras no sistema produtivo, também é falsa, afirma Leonilde. Segundo a pesquisadora, os clientes da reforma agrária dificilmente teriam escolaridade suficiente para a inclusão num mercado de trabalho qualificado. Sobraria, então, o emprego degradante na agroindústria ou, em situação extrema, o trabalho escravo. “[Os sem-terra] são um público que circula muito e estão expostos a condições de altíssima exploração da mão de obra”, diz.

Portanto, afirma Leonilde, é imperativo que as políticas públicas não sejam avaliadas estritamente sob o aspecto de “receita x despesa”, investimento x retorno econômico. Tanto ela como Leitão reforçam a necessidade de se relevar, no mesmo patamar da análise econômica, o aspecto social e cultural da reforma agrária.

“O efeito do assentamento sobre os trabalhadores rurais é extremamente compensador do ponto de vista social e cultural”, diz Leite. “Reforça o núcleo familiar, a cidadania, possibilita acesso ao estudo, enfim, reduz drasticamente a deterioração dos laços sociais. É um ganho enorme, gera um processo de reorganização individual e coletiva, enfim, significa vida digna”, conclui Leonilde.

Por que uma conferência democrática de comunicações?

Entidades progressistas acreditam que a Conferência Nacional de Comunicações pode cumprir o papel de tirar a discussão sobre as políticas para o setor dos gabitenes e colocá-la na arena pública.

O ativista estadunidense Robert McChesney desenvolveu interessante trabalho em seu livro “Batle for the Control of US Broadcasting: 1928-1935” ao buscar nos primórdios do rádio nos Estados Unidos a existência de forte conflito sobre qual modelo este meio adotaria no País que saía da I Guerra Mundial buscando sua condição de maior potência militar e econômica do mundo. Nesta obra, ele mostrou que a formação do sistema baseado em grandes cadeias de emissoras comandadas por cabeças-de-rede, como a NBC e a CBS, não foi algo natural e havia grande resistência de radiodifusores ligados a universidades que buscavam um equilíbrio entre as rádios comerciais e educativas.

Um dos objetivos na empreitada quase arqueológica de McChesney foi mostrar que durante a história dos EUA já houve embates acerca dos rumos da mídia daquele País, nos quais representantes da sociedade civil buscaram questionar a manutenção da lógica mercantil travestida de “única e natural opção”. Uma rigorosa história da mídia brasileira demandaria esforço semelhante, que resgatasse momentos em que diferentes agentes questionaram a simples adequação do modelo estadunidense para a radiodifusão aqui.

Sem nos estendermos, vale lembrar os 52 vetos do presidente João Goulart ao projeto de Código Brasileiro de Telecomunicações derrubados em 1962 pelo Congresso Nacional a partir do lobby dos radiodifusores, as emendas populares da Federação Nacional dos Jornalistas na Constituinte, que garantiram a inclusão do Conselho de Comunicação Social e outros artigos progressistas na Carta Magna, e a participação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação na definição sobre a legislação para a cabodifusão em 1995.

Em época mais recente, houve ainda o levante dos agentes da sociedade civil na dura batalha pela definição do modelo de televisão digital, cobrando que este não significasse apenas a manutenção do oligopólio comercial da mídia, mas aproveitasse o potencial tecnológico para democratizar a televisão. No entanto, apesar dos esforços, as decisões na história do País sempre refletiram, de maneira mais ou menos integral, os interesses dos radiodifusores. Esta situação levou o professor aposentado da UnB e pesquisador Venício Lima a classificar as organizações progressistas da área da comunicação de “não-atores”, dada seu alijamento dos processos de construção e aprovação das políticas para o setor.

Agora, os “não-atores” buscam reverter esta situação apostando na realização de uma Conferência Nacional de Comunicações. Assim como em outras áreas, como Saúde, Cidades, Segurança Alimentar e Meio Ambiente, as entidades acreditam que a Conferência pode cumprir o papel de colocar a discussão sobre as políticas para o setor em uma arena pública na qual grupos que sempre tiveram acesso privilegiado aos gabinetes da Esplanada dos Ministérios ou utilizaram seus potentes instrumentos de difusão de informação e opinião teriam de sentar e disputar com o pólo passivo do processo de comunicação sobre o melhor modelo de mídia para o País.

Este campo se articulou junto às comissões de Direitos Humanos e Minorias(CDHM) e Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados e organizou nos últimos dias 21 e 22 o Encontro Nacional de Comunicação. A idéia era que o Encontro funcionasse como fato político para iniciar um debate mais amplo sobre a importância da realização da Conferência. Mas um pequeno fato mostrou como a condição de “não-ator” é resultante de uma ação pró-ativa dos setores pró-radiodifusão para manter as decisões a portas fechadas.

O ministro das comunicações, Hélio Costa, notório defensor do empresariado de rádio e televisão, ao saber da realização do Encontro e do movimento pró-Conferência, se adiantou e anunciou um evento para o mês de agosto com o mesmo nome. A versão inicial da programação mostra que a idéia é realizar um ciclo de palestras, muito diferente de todas as outras conferências realizadas e em organização neste governo. A regra, a qual o evento de Costa confirma enquanto exceção, vem sendo a noção de Conferência enquanto um processo formado por etapas locais, estaduais e regionais, culminando em um momento nacional no qual são debatidas e aprovadas diretrizes para as políticas de cada setor.

O documento final do Encontro Nacional de Comunicação destaca muito apropriadamente que, para além da necessidade de abrir as políticas de comunicação aos mais interessados nela - a sociedade -, a Conferência deve cumprir papel fundamental de realizar um profundo debate sobre os desafios para a mídia em um momento marcado pelo consenso sobre a revisão das regras que organizam os meios no Brasil frente à chegada da convergência digital.

Mais do que atualizar a legislação para incorporar novos serviços resultantes do avanço tecnológico, esta revisão deve cumprir a agenda inconclusa de criar um sistema público de comunicação e definir limites ao sistema privado já no ambiente digital para o qual o conjunto destes meios está migrando. Junto a isso, o novo regramento deve garantir que as novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) possam ser efetivamente apropriadas pela população, e não somente servirem como novas formas de acumulação dos grandes conglomerados de mídia.

A vitória do interesse público sobre os interesses comerciais e da comunicação como direito contra a comunicação como negócio neste cenário passa pela realização da Conferência. Se a iniciativa do ministro objetiva manter a condição de “não-atores” da sociedade organizada, cabe ao governo federal ser coerente com os procedimentos realizados em outras áreas e realizar uma legítima e democrática Conferência Nacional de Comunicações. É ao lado destes setores, que apóiam a democratização da mídia brasileira, que uma mudança neste setor é possível.

Do contrário, ao vigorar as negociatas de gabinetes, as forças progressistas podem ganhar governos e ampliar sua força institucional, mas sempre estarão marginalizadas na principal arena de disputa ideológica da sociedade atual. A manipulação da cobertura nas eleições presidenciais de 2006 e o boicote das emissoras e jornais ao Congresso do MST realizado em Brasília, há duas semanas, são exemplos claros de que lado os radiodifusores estão. Cabe ao governo escolher o seu.


Jonas Valente é repórter da Sucursal de Brasília da Carta Maior e integrante do coletivo Intervozes.

Fonte: CartaMaior